domingo, 2 de maio de 2010

Código Florestal - Entrevista com Aldo Rebelo

 

Código Florestal: Aldo intermedeia conflito de interesses

Relator da comissão especial que discute mudanças no Código Florestal, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) está em meio ao fogo cruzado que o tema desencadeia. São muitos os interesses em conflito, envolvendo desde pequenos e grandes produtores, ambientalistas e governo, até potências estrangeiras. Nesta entrevista, ele expõe as polêmicas, denuncia a ação anti-nacionalista de algumas ONGs e afirma que busca uma saída que leve em conta tanto o meio ambiente quanto o desenvolvimento do país.

 Rebelo é o relator da Comissão Especial que analisa o Código Florestal

Por sua postura crítica em relação a algumas entidades ambientalistas, que atuam no Brasil em defesa de interesses de outros países, Rebelo está sendo vítima de uma campanha do Greenpeace, que tenta vinculá-lo aos grandes produtores rurais. É uma mostra de como o assunto acirra ânimos.

Na conversa, o deputado destaca que, para além do problema ambiental em si, a discussão do código mexe com questões ideológicas, políticas e comerciais, já que tem estreita ligação com a disputa travada na Organização Mundial do Comércio entre a agricultura dos países ricos e aquela desenvolvida em nações emergentes como Brasil.

Aldo Rebelo defende o código florestal, mas critica as modificações que foram feitas nele, ao longo dos anos. Segundo ele, algumas das normas introduzidas são impossíveis de serem cumpridas, prejudicando, em especial, os pequenos produtores. O resultado é que muitos não conseguem manter sua propriedade, e a legislação termina por ajudar a reconcentração da propriedade da terra e a migração para grandes cidades.

Para o parlamentar, é preciso adequar a lei à realidade. Nesta terça (27), a comissão especial que trata do assunto na Câmara se reúne para definir o cronograma de trabalho. Confira a entrevista.

Em que consiste o Código Florestal e por que modificá-lo agora?

O Código Florestal é uma lei de 1965, construída a partir de uma equipe de trabalho criada em 1961, ainda no governo do presidente Juscelino Kubitschek, e que tinha como referência o grande jurista Osny Duarte Pereira. Em que pese ter sido publicada durante o regime militar, é uma lei de grande qualidade, de vanguarda diante do mundo. O Código protege as florestas, a natureza, e estabelece condições de convivência entre o esforço do país em proteger o meio ambiente e em se desenvolver, gerar progresso e riqueza para nosso povo. O problema é que lei de 1965 foi profundamente modificada, principalmente nos anos 1990, e gerou um impasse, pois a última grande mudança, via Medida Provisória (MP), alterou o estatuto da Reserva Legal (RL) e da Área de Proteção Permanente (APP) e tornou impossível sua aplicação no país. De tal maneira que o presidente Lula, já por duas vezes, por decreto, adiou sua entrada em vigor.

Que contradições essas mudanças no Código acarretaram?

Pela lei atual, o índio não pode usar o método tradicional de fermentação da raiz de mandioca dentro de igarapé, porque a mandioca libera o ácido cianídrico, que é considerado uma substância tóxica e isso se tornou crime ambiental. O ribeirinho não pode arrancar uma minhoca na beira do rio, porque também é crime ambiental, a não ser que ele consiga previamente uma licença. Setenta e cinco por cento da nossa produção de arroz, em várzea - como é produzido na China, no Vietnã, na Tailândia e Índia - também se tornaram ilegal, por que a várzea integra a Área de Preservação Permanente. Toda a criação de gado no pantanal mato-grossense, que é feita há 250 anos, de forma absolutamente sustentável - o pantanal é o bioma mais preservado do país - também virou ilegal. A plantação de banana aqui no Vale do Ribeira, que abastece toda a Grande São Paulo e segura nosso mercado interno contra a invasão das grandes empresas produtoras de bananas dos Estados Unidos também está nessa situação, por ser área de reserva ou proteção permanente. Os pequenos proprietários estão vendendo suas terras porque não podem cumprir a legislação. Em um único município do Mato Grosso, há 4 mil assentados do Incra sem créditos do Pronaf porque não conseguem seguir a lei. Em outro município, 1920 agricultores também não podem ter estradas, as crianças não podem ir à escola, não se pode construir uma ponte, os trabalhadores também estão sem crédito, por causa da legislação ambiental. Então é evidente que há algo errado, não com o código, mas com as modificações recentes. É isso que tenta ser corrigido na comissão especial. São 11 projetos, a maioria vindos de deputados que representam a agricultura familiar e a Contag.

Porque as polêmicas em torno do Código só surgiram agora?

Na verdade, elas tornaram-se públicas agora. Surgiram desde que a Medida Provisória, que é de 1998, tornou-se lei, em 2001, sem nunca ter sido votada pelo Congresso. Não foi permitida a votação, sempre havia problemas, e em 2001 modificou-se a tramitação das medidas provisórias, por emenda constitucional. E aquelas que não haviam sido votadas passaram a ter força de lei, mesmo sem terem passado pelo plenário. Então a polêmica é desse período e os agricultores estão submetidos a pressões de toda forma.

Que interesses estão em conflito?

O primeiro problema que surge, ao se discutir essa matéria, é o ambiental propriamente dito. Porque há um problema ambiental grave no país, no mundo, e a sociedade se mobiliza para proteger o meio ambiente, como uma causa democrática e humanitária, que todos nós apoiamos. No entanto, a questão ambiental envolve outras disputas também. Há uma disputa ideológica em curso. Em um livro chamado “A Terra em balanço”, o ex-candidato à presidência dos EUA, Al Gore, sustenta que a questão ambiental é a sucessora da luta contra o comunismo, no sentido de ser um fator de unidade e de presença dos chamados países civilizados, das potências imperialistas, em relação aos países mais frágeis. Há ainda, na questão ambiental, uma disputa comercial muito forte entre a agricultura dos países ricos - que é frágil, subsidiada, não é de mercado, é quase uma atividade estatal - e a agricultura dos países emergentes, em especial do Brasil. O palco dessa guerra é a Organização Mundial do Comércio (OMC). Acompanho pela Comissão de Relações Exteriores e vejo ali a disputa em torno do algodão, do etanol, do açúcar, das carnes bovina e suína e da soja, na qual os produtores norte-americanos e europeus buscam suplantar, no comércio mundial, a nossa agricultura, impondo o subsídio ou acionando barreiras ambientais. Ou seja, eles podem usar plenamente o seu território para produzir sua agricultura e querem conter a qualquer custo não só a expansão da nossa fronteira agrícola, mas a expansão de nossa infra-estrutura: hidrovias, ferrovias, rodovias... E a questão ambiental tornou-se uma trincheira dessa guerra comercial. Dificultar a fronteira agrícola do Brasil e criar uma espécie de tributo ambiental sobre o produtor brasileiro tornou-se questão de vida ou morte. E, para isso, eles organizam e financiam entidades muito influentes, Organizações Não Governamentais, que atuam no Brasil em torno de uma agenda que interessa comercialmente à agricultura europeia e norte-americana. Há também uma outra dimensão que é corporativa. Essas organizações contam com profissionais bem remunerados, executivos, ou seja, o ambientalismo também é um meio de vida, uma profissão de gente bem sucedida, com padrão de vida bem melhor que 90% dos nossos agricultores. Pessoas que tiram seu sustento dos projetos e financiamentos que recebem para suas organizações, muitas com sede no exterior, que são as mais beneficiadas por esses subsídios. E há uma dimensão política também, porque existem até partidos que se afirmam com essa bandeira da questão ambiental e vivem da propagação do medo como forma de valorizar a sua agenda. Então quando discutimos o meio ambiente, discutimos para além da questão legítima e necessária do problema ambiental. Há outros interesses subjacentes ao tema que não são os interesses nem do Brasil nem do povo brasileiro.

Deputado classifica como “nazista” campanha do Greenpeace

Acostumado à controvérsia, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) classificou como “nazista e traiçoeira” a campanha que o Greenpeace lidera contra ele, diante de sua tentativa de equilibrar a discussão sobre o Código Florestal. Reafirmando denúncias sobre atuação de algumas ONGs estrangeiras em prol de uma agenda que interessa a seus países de origem, ele diz não ter medo de enfrentar as polêmicas do tema. “O que mais temo na política é a omissão”, afirma.

O parlamentar fala ainda sobre o poder que as ONGs adquiriram no país durante os governos neoliberais do PSDB. Ao minimizarem o papel do estado, estas gestões criaram o ambiente para que entidades não governamentais ocupassem esse vácuo. Aldo critica ainda aqueles que tentam adiar o debate sobre o código para depois das eleições: “Têm medo de quê? A não ser que queiram esconder do eleitor as suas posições”. Veja abaixo:

O senhor é vítima de uma campanha do Greenpeace que tenta associá-lo aos interesses dos grandes produtores. Isso tem a ver com as declarações que o senhor tem feito sobre algumas ONGs, vinculando-as ao capital estrangeiro?

Quero crer que sim. O Greenpeace fica muito ofendido quando eu declaro que uma organização multinacional, com sede na Holanda, não defende nenhuma bandeira ambiental no seu país de origem. O Greenpeace exige 80% de Reserva Legal na Amazônia e, em contrapartida, não exige nenhum percentual na Holanda. Simplesmente a Reserva Legal não existe no direito da Holanda. O Greenpeace exige, no Brasil, 600 metros, em alguns casos, de preservação de matas ciliares de um lado e do outro dos rios, enquanto isso também sequer existe no direito holandês. Essa entidade sabe que quase metade do seu país sede foi construído dentro de uma Área de Preservação Permanente (APP). A Holanda é um aterro construído dentro do mar. Essa agenda que defendem aqui não existe no Greenpeace holandês ou no europeu. Está concentrada na Amazônia, onde boa parte de seus quadros vivem subsidiados, tentando estabelecer um cinturão de ferro, naquela área, contra a presença de brasileiros e do Estado brasileiro. E eu me dispus a enfrentar esse debate, o que conduziu o Greenpeace a adotar um método nazista de enfrentamento da questão. Digo nazista porque é um método traiçoeiro. Essa foi a primeira organização que eu recebi em meu gabinete depois de nomeado relator. Foi a ONG que mais falou nas audiências públicas da comissão especial. O Greenpeace, portanto, teve amplo acesso ao debate, como outras organizações também tiveram. Pelos interesses que defende, o Greenpeace está cumprindo seu papel. Eu, de fato, não esperava que ele tivesse compromisso com os agricultores brasileiros ou com o desenvolvimento do país. Como organização multinacional, ligada a um país europeu, eu acho que cumpre o script previsto para a instituição nesse debate.

Por que as ONGs têm tanto poder no Brasil?

Porque, nos anos 90, conhecemos uma grande ofensiva ideológica de fragilização do Estado nacional no Brasil, do Estado que planeja, pensa e executa. Houve até um apelo do presidente Fernando Henrique para que as ONGs se integrassem ao governo. Ele dizia que queria governar com elas. Então as ONGs assumiram esse vácuo. Substituíram esse estado frágil, pusilânime, sem consciência do seu papel de representação dos interesses nacionais. As ONGs, principalmente as estrangeiras, bem articuladas, altamente financiadas, souberam, ocupar esse espaço. É preciso destacar que 90% dessas ONGs são organizações de fato, humanitárias, integradas por gente de boa fé, que ajuda a cumprir um papel na sociedade. O problema não são essas, mas aquelas que acham que podem substituir o estado, em especial, o papel mediador do estado nos conflitos ideológicos, políticos, econômicos e sociais numa sociedade tão desigual como a brasileira. A força delas também deriva do respaldo político de governos estrangeiros fortes, como o dos EUA, da Alemanha e Inglaterra, que amparam fortemente suas ONGs, com respaldo financeiro, diplomático, e, no passado, até respaldo militar quando foi necessário. Há ainda a desinformação da mídia, cujas editorias de meio ambiente foram praticamente capturadas pela versão que as ONGs divulgam dos acontecimentos.

Há uma divisão, dentro do governo, sobre a reforma no Código. O que o senhor acha disso?

Creio que durante uma parte do tempo do governo do presidente Fernando Henrique e também do presidente Lula, o Ministério do Meio Ambiente foi tomado de assalto pelos interesses dessa agenda externa, veiculada aqui por essas ONGs. Espero que isso tenha mudado recentemente, com a saída do ministro Carlos Minc. Isso de fato aconteceu. O governo precisa ter unidade. E ela deve ser referenciada no interesse nacional, que exige a proteção ao meio ambiente, e também ao desenvolvimento, à pecuária, à agricultura, à infra-estrutura. O governo tem que oferecer um caminho, não pode ser árbitro de si próprio e de seus conflitos. Tem que ter uma atitude resolutiva, que supere as diferenças e aponte a solução.

E isso está no horizonte?

Creio que sim. Fui indicado relator, aliás, fui convocado, porque não foi uma reivindicação nem minha nem do meu partido. A relatoria me foi oferecida como tentativa de mediar esse conflito entre ruralistas e ambientalistas. E eu, como nunca fui integrante da bancada nem do meio ambiente nem da bancada da agricultura, fui convocado por todos os partidos, em um acordo amplo, que excluía, por não querer participar, o PSOL e o PV, na tentativa de solução do impasse. Eu disse que aceitava a missão desde que todos soubessem que eu ia procurar encontrar uma solução que fosse o equilíbrio entre o meio ambiente e o esforço da produção. Só que parte do setor ambientalista não quer esse equilíbrio. A natureza do impasse é principalmente essa. E o setor ruralista também prefere a luta política e a disputa do que a solução do problema. Se eu conseguir encontrar um caminho, creio que reunirei apoio suficiente para aprovar um projeto que ajude a dar uma saída para a situação.

No meio desse fogo cruzado, entre tantos interesses conflitantes, o senhor teme prejuízo à sua reeleição?

O que mais temo, na política, é a omissão no momento necessário. O que mais temo é faltar ao interesse do meu país no momento em que posso contribuir e ajudar. Eu já paguei em outros momentos um preço elevado por integrar o partido comunista, por defender o governo Lula, por fazer oposição aos governos militares, por me opor às idéias do pensamento único e, em um passado recente, por não aceitar a solução das ONGs para a questão indígena na Amazônia. Mas eu acho que isso também nos afirma, nos traz convicções de que o interesse nacional precisa ser defendido e preservado. Aqueles que acham que a solução para o Brasil é entregar o país à agenda dos interesses externos e do seu braço financeiro e político representado por uma parte dessas ONGs, não têm o que fazer mesmo.

Alguns ambientalistas defendem que se deve adiar o debate sobre o Código Florestal para depois das eleições. O que o senhor acha?

Acho que nada melhor que discutir qualquer assunto em ano de eleições. É um ano propício ao debate político, à tomada de posições políticas. Todas as forças podem expor a sua opinião, sua convicção e seu voto. A não ser que alguém queira esconder do eleitor a sua posição.

Esse é um gesto que corresponde a algum receio. Têm medo do que exatamente?

Quem tem uma posição justa não tem receio de expor em ano eleitoral. Qual é o medo? É um ano bom para que o eleitor veja o que está sendo defendido. Não consigo alcançar qual o receio dessa parcela do movimento ambientalista.

Não aumentam as pressões em ano eleitoral?

Mas as pressões legítimas têm que existir. A política é feita das pressões legítimas da sociedade, dos eleitores.

Como é o trabalho da comissão? A população tem sido ouvida?

Nós ouvimos primeiro os próprios deputados que estão na comissão, de todos os partidos. Depois, organizações não governamentais - municipais, estaduais, nacionais e as estrangeiras. Fizemos consultas a órgãos governamentais ambientais, às universidades, à Embrapa. Ouvimos mais de uma dezena de técnicos. Escutamos os agricultores, federações de trabalhadores da agricultura, Contag, MST, os pequenos, os médios e os grandes produtores. Ouvimos os setores da construção civil, da energia elétrica, do reflorestamento. Foram 65 audiências públicas em Brasília e em 19 estados. Realizamos, de fato, um apanhado dos problemas em plano nacional.

“Parte das ONGs quer imobilizar o país”, diz Aldo Rebelo

Preocupado com a questão da soberania brasileira em relação à Amazônia, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) defende que há quem queira imobilizar o desenvolvimento nessa parte do país. O parlamentar critica a atual política ambiental brasileira que, para ele, continuou na mesma linha das gestões tucanas. Em ano eleitoral, ele analisa que há uma tentativa de impor artificialmente o tema ambiental na agenda do povo.

“A população deseja a proteção do meio ambiente, mas sua primeira preocupação é com a comida barata e o emprego. Então quem desprezar o desenvolvimento vai se dar mal”, previu o deputado. Aldo defendeu ainda que é preciso integrar estados e municípios na elaboração de um programa de preservação do meio ambiente, questionando a política do governo que se baseia apenas na punição.

O atual código é lesivo aos pequenos produtores?

O Código não é lesivo, mas as mudanças introduzidas no código, nos anos 90, sim. Porque obrigam o pequeno agricultor, que tem 10 hectares, a dispor de 20% de sua área para a Reserva Legal. Se a propriedade tiver área destinada a Área de Proteção Ambiental (APP) – que é rio, riacho, nascente, qualquer curso d’água, morro ou encosta-, essa propriedade está inviabilizada, porque o produtor não consegue tirar da propriedade a renda necessária para sobreviver. Diante disso, vende a propriedade. A agricultura brasileira já é uma atividade distante do jovem, porque é um trabalho duro, penoso, de remuneração incerta, hoje de pouco reconhecimento social, porque o agricultor é visto como inimigo da natureza. Então eles preferem abandonar essa atividade e ir para as cidades. A outra consequência nociva da atual legislação é que facilita a reconcentração da propriedade da terra, porque ela tem uma brecha, a chamada compensação, que permite que aquele que usa toda a sua propriedade possa comprar uma outra área para fazer a sua Reserva Legal. Então aquele agricultor mais rico compra a área do mais pobre. Isso já está acontecendo em larga escala. Não podemos aceitar. Então eu pergunto: será que algumas dessas ONGs têm consciência disso? Ou agem para que isso aconteça? É preciso encontrar uma solução, até pela concentração demográfica nas cidades.

Está sendo pensada então uma legislação que diferencie as obrigações dos grandes e pequenos produtores?

É possível, naquilo que for procedente, porque a legislação ambiental pode proteger o pequeno produtor, mas não deve se tornar um instrumento de vingança e perseguição do grande produtor. Os problemas sociais ou trabalhistas da grande propriedade não vão ser resolvidos no Código Florestal, mas no plano da luta social. A grande propriedade, quando produtiva, tem contribuído para o abastecimento interno de alimentos e para a exportação, o que gerou excedente, ajudando a segurar a situação da economia brasileira no momento de crise. É preciso então ter também essa compreensão. Mas você pode, na legislação, proteger a pequena agricultura, que é mais frágil, mas também proteger a grande e média, principalmente no confronto dessa agricultura com a dos países ricos. Não temos por que tomar partido de um produtor de soja americano contra um produtor de soja brasileiro, por que aqui há problemas sociais ou trabalhistas na área da soja. É preciso saber onde está a questão social e onde está o interesse nacional.

Quais os efeitos, no meio ambiente, do agronegócio voltado para a produção de combustível?

A produção de biodiesel, da energia renovável, tem origem diversa. Pode ser do etanol, da mamona ou soja. E esse esforço que não é apenas no Brasil, mas no mundo, pode, aqui, ser compatibilizado com uma forte agricultura voltada para a produção de alimentos. Acho que o Brasil tem reserva para ser um grande produtor de energia renovável e de alimento. Pode combinar a pequena, média e grande propriedade. Quando se trata do estado brasileiro, acho que os instrumentos para alcançar esses objetivos, têm que levar em consideração as desigualdades e os desequilíbrios do país, que são numerosos: diferenças regionais, de propriedade, uso de tecnologias, diferença de propriedade mais ou menos intensiva em capital. Há uma agricultura semi-capitalista, que não tem grande importância como agricultura de negócios, mas que tem um papel social, assenta milhões de pessoas na terra, oferece uma opção de vida que aquelas pessoas escolheram, emprega muita gente, impede que muitos se dirijam às cidades. Não é porque não engatou sua atividade no mercado de commodities que você tem que sacrificar.

O senhor é a favor de manter a Reserva Legal e as Áreas de Proteção Permanente tais como aplicadas hoje?

Embora a RL e a APP não existam no direito ambiental e florestal de nenhum país europeu ou dos EUA, creio que o Brasil deve preservar os dois conceitos, adaptando-os às necessidades do país - à proteção da natureza e do desenvolvimento, da agricultura, da pecuária e da infra-estrutura, com as exceções que couberem. Um exemplo de exceção clara é o pantanal mato-grossense. Seria insanidade proibir a pecuária lá, embora esteja dentro de uma APP. Mas já está tão provado que é uma atividade sustentável, que se pratica sem degradação, que é insanidade adaptá-la a uma legislação que não conheça exceção. Precisamos preservar os conceitos, mas adaptando-os às necessidades.

O senhor é a favor de uma legislação ambiental estadualizada ou regionalizada?

A Constituição já estabelece que a União deve fazer a norma geral, ou seja, a lei geral, e que a lei específica seja feita pelos estados e municípios. Em Santa Catarina, há uma lei muito contestada pelos ambientalistas, mas que foi aprovada por um amplo leque de forças políticas, sociais e econômicas. Uniu desde trabalhadores da agricultura até a federação das indústrias. Não houve um voto contra na Assembleia. Não sei se a lei de Santa Catarina é a melhor, mas sei que só surgiu porque a legislação nacional não deu conta de resolver os conflitos em Santa Catarina. E outra coisa é que não se pode proteger o meio ambiente simplesmente a partir da União. Tem que integrar estados e municípios num esforço de construção de um programa de preservação ambiental, que não é só uma lei, mas extensão, orientação técnica, educação, mobilização na defesa do meio ambiente. Talvez mais de 90% dos municípios não tenham nem secretaria de meio ambiente. O Ibama pode adivinhar o que está acontecendo em uma cidade do interior do Amazonas? É muito difícil. Tem que integrar o município nisso. Esse esforço o estado não faz. Baseia a defesa do meio ambiente apenas na punição, nas iniciativas espetaculares, televisivas, de chegar com polícia federal, prender um e outro. Mas isso resolve o quê?

Os projetos em análise estão atentos à garantia da soberania brasileira, em especial no que diz respeito à preservação da Amazônia?

Os projetos estão voltados para resolver problemas práticos e demandas das bases dos deputados. A questão da Amazônia foi posta por mim, porque tenho grande preocupação com a ofensiva das ONGs. Há os minérios nas terras indígenas, a grande bacia do Rio Amazonas. Há ali uma cobiça secular. As três guianas - de colonização holandesa (hoje Suriname), francesa (Guiana Francesa) e inglesa (hoje apenas Guiana) - não estão ali por acaso. É como se fossem sentinelas de três grandes impérios, que tentaram ocupar o Vale do Amazonas nos séculos 16, 17 e 18. Foram três séculos de luta dos portugueses para nos legar aquela Amazônia. Os ingleses nos tomaram 20 mil quilômetros quadrados, em pleno século 20, do atual território de Roraima. Então fica aquele território (Amazônia), que representa 60% do país, mas que contribui com apenas 8% da nossa riqueza, do nosso PIB, condenado ao atraso, porque não se pode fazer uma estrada, uma hidrovia, um porto, um aeroporto. O sujeito para ter 200 hectares para produzir precisa comprar mil hectares, porque 80% da propriedade tem que ser destinada à reserva legal. Tenho preocupação com o destino da Amazônia. E acho que no Brasil nem sempre as autoridades levam em conta os riscos a que estamos expostos naquela vastidão, que tem 10 mil quilômetros de fronteira desabitada.

Como as forças políticas se colocam nessa discussão sobre o código?

Os partidos, provavelmente, vão esperar o relatório. Todos têm interesse em defender o meio ambiente e também a produção. Pode haver visões distintas de como defender essas questões, mas, como partido, não. O problema é que nem sempre os partidos dominam a agenda de seus governantes.

Este tema estará em pauta na campanha presidencial? Há uma pré-candidata ambientalista...

Há a tentativa de se impor artificialmente esta agenda, principalmente para a classe média. O povo deseja a proteção do meio ambiente, mas sua primeira preocupação é com a comida barata. Digo para os meninos de classe média das ONGs ambientalistas que eles nunca viram uma família discutindo o preço da carne, do feijão, da lata de óleo. Suas famílias discutem férias na Disney, na Europa, compra de equipamentos eletrônicos. O povo precisa de alimento barato. Está interessado no desenvolvimento. Há uma geração de jovens que precisa de emprego. Se o país não se desenvolver, como vai ter trabalho para o nosso povo? Uma parte das ONGs quer imobilizar, paralisar o país. Imobiliza a fronteira agrícola, a mineral, a infra-estrutura. Então eu vejo que a agenda que predomina é a do desenvolvimento com preocupação ambiental. Quem desprezar o desenvolvimento, vai se dar mal.

Isso é um recado para a senadora Marina Silva?

Não. Ela não precisa disso. Tem lá as suas idéias e compromissos.

O senhor foi um crítico da gestão dela no Ministério de Meio Ambiente...

Sempre tive ressalvas às orientações da ministra Marina no Meio Ambiente. Convivemos respeitosamente, mas sempre em linhas diferentes, desde a Lei de Biossegurança, até a demarcação de terras indígenas, a relação da agenda ambiental entre Brasil, europeus e Estados Unidos. Nunca aceitei posição de intimidação ao Brasil. Nunca reconheci a autoridade moral dos países ricos nessa matéria para que viessem nos dar lições. Sempre respeitei, tive convivência até certo ponto fraterna com ela (Marina), mas tenho grande distância das opiniões que ela defende nesse assunto.

Mas a sua crítica é só à gestão da Marina ou à política ambiental brasileira de forma geral?

A política ambiental brasileira foi, na prática, a gestão dessas ONGs. Na gestão da ministra Marina e na gestão anterior, do governo de Fernando Henrique. Essa é que é a verdade. Não houve uma ruptura. Houve uma continuidade. Lamentavelmente foi isso.

O senhor acha que a Câmara votará as mudanças no Código esse ano ainda?

Se depender de mim, vota. Mas não depende de mim, e, sim, do plenário.

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