VALORIZAÇÃO - Real forte já faz indústria deixar o país
Pedro Soares e Paulo de Araujo
Concorrência de produtos importados, especialmente da China, leva à desindustrialização em setores como o de máquinas.
Indústria cobra revisão total do sistema tributário e aponta problemas como gargalos em infraestrutura, juros altos e falta de crédito.
Mais do que prejudicar a competitividade de muitos setores no comércio exterior, o câmbio já detonou um processo de desindustrialização no país, e um dos ramos mais afetados é o de máquinas e equipamentos, essencial para promover o investimento produtivo.
Outros segmentos também se ressentem da queda do dólar, como o de calçados, o de vestuário, o têxtil, o eletroeletrônico e o automobilístico. Eles veem suas exportações caírem e sofrem com a invasão de importados -cuja origem quase sempre é a China, que controla sua moeda para impulsionar exportações.
Exemplos não faltam de indústrias que deixaram o país e passaram a ser meros distribuidores de produto importado de suas matrizes, diz José Velloso, vice-presidente da Abimaq (que reúne os fabricantes de máquinas e equipamentos).
Cita a norte-americana Cameron, que fechou uma fábrica de equipamentos para produção de petróleo neste ano no interior de São Paulo, menos de três anos após sua abertura. A firma tinha mil empregados. Agora, conta com apenas 20.
"Esse é só um caso. Para muitas empresas, vale mais a pena se tornar representante da matriz e vender máquinas importadas", afirma.
Humberto Barbato, presidente da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), considera que há o risco cada vez maior de o setor "deixar de importar componentes para trazer de fora produtos acabados". Já não vale a pena, diz, produzir liquidificadores e ferros elétricos no país.
O diretor de Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, afirma que os setores mais intensivos em trabalho e tecnologia são justamente os mais suscetíveis à competição externa. "Daí o perigo dessa desindustrialização."
Com o mercado interno aquecido, a indústria automotiva não corre risco de desindustrialização, mas é crescente a presença de carros importados no país. Enquanto as vendas de veículos nacionais cresceram 13,5% em setembro ante o mesmo mês do ano passado, os emplacamentos de importados deram salto de 23,6%.
A alta do real deve se intensificar, apesar da taxação do capital estrangeiro, afirmam executivos dos diversos setores. "A medida é necessária, mas é só um paliativo", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).
Para Heitor Klein, diretor da Abicalçados, "já se comprovou que a medida não teve nenhum impacto no câmbio".
Os setores citam a revisão total do sistema tributário, que pune o investimento, "exporta" imposto e onera excessivamente empresas intensivas em mão de obra. Listam ainda gargalos em infraestrutura, juros altos e falta de crédito.
Todos apontam também a necessidade de o país ser mais duro nas negociações com a China e impedir a invasão indiscriminada de produtos.
Fernando Pimentel, da Abit (indústria têxtil e de vestuário), diz que o Brasil é um grande mercado cobiçado pela China, especialmente agora em tempos de recessão nos países centrais, o que propicia a concorrência desleal dos chineses.
Perdas
Segundo dados do setor, as exportações de máquinas caíram 33% até setembro. As de calçados recuaram 30%. No caso de têxteis e vestuário, o tombo foi de 25%. No setor de eletroeletrônicos, a previsão é de uma queda de 25% neste ano.
A virada do câmbio fez, por exemplo, a alemã ThyssenKrupp importar da China todos os equipamentos de sua siderúrgica em construção no Rio. Tudo já estava cotado e pré-acordado com indústrias brasileiras até que o dólar começou a cair com força e a empresa mudou seus planos, diz Velloso.
Para enfrentar tal realidade, o economista do BNDES Fernando Puga afirma que o banco estatal lançou linhas especiais de crédito para setores mais afetados e com empresas de porte menor.
Fonte: Folha de São Paulo (26/10/2009)
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