O agronegócio, através de seus representantes no parlamento, a chamada bancada ruralista, tem como principal bandeira na discussão acerca do Código Florestal o fim da reserva legal para pequenas propriedades. Uma reivindicação justa, aparentemente. Mais só aparentemente.
Na verdade os ruralistas jogam com a confusão entre pequena propriedade e propriedade familiar. Que são coisas muito diferentes. A legislação agrária estabelece que pequena propriedade é aquela cujo tamanho é igual até quatro módulos fiscais. Em Ponta Grossa, por exemplo, o módulo fiscal é de 12 hectares, ou seja, uma propriedade até 48 ha é considerada pequena propriedade.
Acontece que o tamanho do módulo fiscal varia de acordo com cada região do país. Por exemplo, um proprietário de 400 ha, no norte do Mato Grosso, que toca fogo na floresta amazônica, contrata um ou dois jagunços, para plantar pasto e criar gado também é um pequeno produtor, pois o módulo fiscal nesta região é 100 hectares! Este fazendeiro é pequeno proprietário e também um criminoso. Pois ao tocar fogo na floresta para plantar pasto comete um crime ambiental, pois a reserva legal mínima na região amazônica é de 80% da total da área.
O proprietário de um sítio de 48 ha, ou 20 alqueires, medida mais usada pelo camponês que não se iluda. Não tenho dúvida que o “pequeno” proprietário que a bancada ruralista defende é o fazendeiro do Mato Grosso, dono dos 400 ha. Mas o agronegócio ao defender o fim da reserva legal para a pequena propriedade esconde um terrível ardil. É fácil de explicar. Imaginemos um fazendeiro que tenha uma área de 2 mil hectares na mesma região amazônica. Com a atual legislação ambiental em vigor ele pode produzir em 400 ha e deve manter 1600 como reserva legal. Se for aprovada a proposta defendida no relatório do agro-comunista Aldo Rebelo, este mesmo fazendeiro pode arranjar alguns “laranjas” e dividir sua grande propriedade em cinco “pequenas” propriedades e tocar fogo nos 2 mil hectares de floresta. Tudo amparado pela lei. Esta é a real intenção do agronegócio. Destruir nossas florestas para ganhar dinheiro.
Já propriedade familiar é diferente. Esta deve ser sim tratada de forma especial pela legislação. Propriedade familiar é aquela que tem o tamanho de no máximo dois módulos rurais (o módulo rural pode ser inclusive menor que o módulo fiscal), onde o trabalhador rural e sua família moram e produzem. A propriedade familiar é responsável por 70% dos alimentos que comemos todos os dias e representa 86% de todos os agricultores brasileiros. Eu defendo, por exemplo, a flexibilização da legislação ambiental para a propriedade familiar (não para o “pequeno” empresário rural) que permita incluir às áreas de preservação permanente, aquelas que ficam nas margens dos rios e no alto dos morros, no computo da área da reserva legal, pois desta forma estaria inclusive se ampliando a proteção dos biomas mais vulneráveis, incluindo os recursos hídricos existentes nas pequenas propriedades.
Todos os deputados federais, incluindo o representante de nossa cidade que também é bacharel em Direito, sabem perfeitamente da diferença entre pequena propriedade e propriedade familiar. Pode existir palhaço, mas não existe bobo no Congresso Nacional. Todos eles sabem do ardil que está por trás do fim da reserva legal para a pequena propriedade. Mas a maioria do nosso povo não está acompanhando a discussão da reforma do Código Florestal.
A maioria da população não sabe, por exemplo, que toda a floresta que existe em um terreno particular não é do dono do terreno. A floresta é um bem ambiental, juridicamente classificada como um bem difuso, de uso e gozo de todo o povo, das presentes e futuras gerações. O que o agronegócio quer é tomar de nós, e de nossos filhos e netos, este patrimônio ambiental para lucrar, vendendo soja para engordar as vacas européias. A questão é saber se vamos deixar isto acontecer!
Por João Luiz Stefaniak
O Autor é advogado, professor de Direito Agrário e Direito Ambiental na UEPG, e militante do PSOL. joaoluiz@stefaniak.com.br
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